Cracolândia

" O DIABO ESTÁ NO MEIO DA RUA, NO MEIO DO REDEMOINHO." (João Guimarães Rosa)



Mãos trêmulas e olhos esbugalhados...

E a dignidade passa ao largo...

Sujeira, promiscuidade, futuros desenganados...

E a oportunidade se esconde para bem longe...

Pedras que rolam de mão em mão...

Que se dissolvem de cachimbo a cachimbo...

A canhestra alquimia da morte - desordem...

É o diabo, é o mal, habitando o deserto

Das perdidas almas...

Dos que hoje são apenas resquícios de humanos...

Os zumbis dos becos escuros da metrópole...

Construindo labirintos de si mesmos...

Com as pedras que estralam, estralam...

E estraçalham o homem, a mulher e a criança...

No entanto, a sociedade ocupada com a rotina...

Segue indiferente ao abismo logo ao lado...

Pouco importando a falência da família...

Ou o choro ininterrupto de uma mãe...

Os grandes padres, os exemplares pastores...

Estão se maquiando para mais um programa de TV...

Unhas perfeitas, ternos de corte europeu...

Falam das feridas de Jesus, das chagas legadas...

Mas não tocam nas reais feridas do mundo...

Prometem o céu, o milagre, o fim do câncer...

Enquanto o diabo triunfa pela sagrada omissão...

Os políticos lotam os restaurantes, em conchavos...

Tramam o jogo de xadrez do quem fica com o cofre...

E se vangloriam de uma cidade mais limpa...

E quando chegam em casa beijam suas esposas...

Abraçam os seus filhos e pedem proteção a Deus...

Abrem a garrafa de Black Label e se extasiam...

E banqueiros pedem apoio e obras são prometidas...

Enquanto o Diabo triunfa pela dolosa omissão...

E passeia tranquilamente eu seu feudo...

A Cracolândia...

A terra do futuro roubado, da infância perdida...

Do reality show do ser humano em destroços!

VOCÊ É...


Um amor que me foge,
Que se evade sem chegar,
Que me sucumbe inteiro
Mesmo fora de combate!


Um alguém que não tenho,
Que confundo com a flor,
Que me tira as vestes,
Sem a mão me por!

LEONARDO, MEU FILHO


Uma criança correndo

Pulando e sorrindo,

E crescendo, crescendo...


Uma careta de palhaço,

O choro à toa, de mimo,

A bagunça pela casa.


Caixa de papelão, pedra,

Madeira, figurinhas,

Seus tesouros inestimáveis!


A tez clara, os olhos...

O sorriso brilhante,

A meiguice apaixonante!

O Poeta e a Morte


Em uma noite confusa,

A sensual dona Morte

Veio ter com o poeta

Enquanto este dormia.


A morte foi beijá-lo,

Mas o poeta acordou

Segurou-a pelos braços,

Cochichou no ouvido dela

E logo caíram na risada,

O poeta falava

E desenhava no ar.


E então a dona Morte

Se despediu calorosamente

Prometendo uma visita

No futuro.


Solitário,

O poeta ficou a pensar:

O futuro pode ser

Daqui a um segundo

Pode ser amanhã?

Fogueira Insana


Um homem se ajoelha

Sangue escorre

De seus olhos

Negam-lhe a verdade

Trocam com a mentira

Suas profundas convicções:

Fustigam-no pela ciência

Chamam de pecado

O que há maior grandeza!


Surge um corvo dominicano

A esboçar movimentos febris

Esbraveja em latim

Um insano ritual in(santo):

O sino toca

O evangelho se fecha

E uma vela se apaga.


Mas...

À luz e ao modo

De Deus

O futuro traça

O triunfo

Do fustigado.


E a terra era redonda

E o sol era o centro.

E o homem era homem

E Deus era Deus.

E em algum lugar

Senão em todo

E em algum tempo

Senão sempre

Se convergem!

Natureza em êxtase


Mata a
dentro

Mata a
fora

Afoga
Desafoga

Água
Na gruta

Vento
assopra

Gemem
taboas

Cachoeira
jorra

Natureza
concebe.

Transplante




Tua beleza e teu silêncio rasgam-me
as vestes da indiferença
até então existente em meu coração.
O calor de te amar põe em xeque
o equilíbrio da barreira de gelo sentimental
forjada em mim.
Um desassossego me toma de assalto
quando logo percebo
você presente em meus sonhos
e me estranho no espelho
quando não te vejo ali comigo.
Tremo de medo
e transpiro frio
em pensar que jamais te terei.
Você é a panacéia
e ao mesmo tempo
a causa de minhas
íntimas dores.

PARA LONGE DE TI


Teu silêncio me enjaula

me congela e me isola

dá-me um nó nas entranhas

amordaça meus lábios

não me deixa sorrir.

Decido fugir

e levo comigo a maldição

que em mim você

estranhamente lançou

a de nunca mais sorrir.

E a estrada que alcanço

de uma rica flora

disposta em suas margens

me socorre e promete

Levar-me para bem longe de ti.

AMOR IMERSO

Vejo meus olhos espiando a profundidade de meu ser Sinto meu corpo escorregando nos desfiladeiros de minha alma. E mesmo assim não perco...